Entrevista com António Guterres - Alto Comissário da ONU para os refugiados
O essencial
- "Ainda temos um mosaico de sistemas nacionais de asilo completamente diferentes"
- "Estes problemas provocam um nível de sofrimento que deveria pressionar a comunidade internacional a encontrar mais soluções"
Afeganistão, Paquistão, Iraque, Sudão, R.D. Congo e Palestina são alguns dos países sujeitos a guerras, conflitos prolongados e opressões, ou confrontados com factores como as alterações climáticas, as secas e a escassez de água e alimentos, que forçam cada vez mais pessoas a abandonarem as suas casas. Guterres, Alto Comissário da ONU para os refugiados, tem como missão proteger os refugiados e deslocados de todo o mundo e participou numa reunião da comissão parlamentar LIBE no dia 28 de Abril.
Como evoluiu a situação dos refugiados ao longo do seu primeiro mandato?
AG: No início registámos uma diminuição anual progressiva do número de refugiados mas durante os últimos dois anos o ressurgimento de conflitos e o regresso da insegurança a regiões onde a paz fora estabelecida inverteram essa tendência e deram origem a um aumento do número de refugiados e de pessoas deslocadas no seu próprio país. Infelizmente, no ano passado o número de pessoas que ajudámos a regressar voluntariamente a casa em segurança e dignidade diminuiu drasticamente, especialmente devido à situação no Afeganistão, no sul do Sudão e na República Democrática do Congo.
Os conflitos e a opressão são responsáveis pelo desalojamento de 40 milhões de pessoas, das quais mais de 10 milhões vivem em campos de refugiados, situação que muitas vezes se prolonga por vários anos. Quais são os efeitos destas deslocações a longo prazo e até que ponto existe uma solução durável para estas pessoas?
AG: Houve um aumento significativo do número de oportunidades de realojamento nos países de asilo e nos países desenvolvidos. Está a ser estabelecido um programa de realojamento europeu, que conta com o nosso apoio. Cada vez mais países aceitam a integração local: a Tanzânia acaba de atribuir a nacionalidade tanzaniana a mais 60.000 burundianos. No entanto, o número de pessoas que ajudamos a regressar a casa em segurança e dignidade está a diminuir, o que piora a situação dos refugiados e cria problemas terríveis, especialmente no que se refere às pessoas que vivem em campos. Viver durante 10 ou 20 anos com restrições de movimento, recursos muito escassos e sem acesso a educação secundária... Estes problemas provocam um nível de sofrimento que deveria pressionar a comunidade internacional a encontrar mais soluções.
As dificuldades económicas, os conflitos e as alterações climáticas forçam cada vez mais pessoas a procurarem refúgio. Que consequências na protecção dos refugiados?
AG: Penso que é uma fase: as atitudes relativas à migração tornam-se geralmente mais negativas nos períodos de crise económica. Existem normalmente dois bodes expiatórios: os governos e os estrangeiros. Ainda que se trate de uma questão económica e que exista alguém que precise de ajuda e que tenha direito, nos termos do direito internacional, a receber protecção internacional, a verdade é que esta atitude negativa também se traduz na redução do espaço de asilo. Trata-se de uma questão que nos preocupa muito. Por outro lado, assistimos a novas tendências de deslocação forçada. Um refugiado é alguém que abandona um país por um receio bem fundamentado de perseguição ou conflito. Assistimos a cada vez mais situações em que as pessoas são forçadas a abandonar as suas casas por motivos de degradação ambiental ou pobreza extrema. Estes factores estão cada vez mais interligados e falta à comunidade internacional uma estratégia e um conjunto de instrumentos que permitam dar uma resposta adequada às novas tendências de deslocação forçada. Espero que, no próximo ano, com o aniversário da Convenção relativa ao estatuto dos refugiados de 1951, sejamos capazes de agir como catalisadores de um debate internacional profícuo sobre os novos desafios mundiais.
A partilha de responsabilidades e a solidariedade têm gerado debates entre os Estados-Membros da União Europeia. Qual a importância da Europa em matéria de protecção internacional de refugiados?
AG: A Europa contribui de forma significativa para o asilo mas no espaço unificado ainda não existe um sistema comum de asilo. Estamos a criá-lo, mas muito lentamente. Ainda temos um mosaico de sistemas nacionais de asilo completamente diferentes, o que dá origem a uma grande disfuncionalidade, que considero negativa, tanto para a protecção das pessoas como para o interesse da União Europeia. Temos esperança, apoiamos firmemente as cinco propostas avançadas pela Comissão Europeia e apelamos aos Estados-Membros para que se unam e compreendam que é necessária uma verdadeira harmonização: a partilha de responsabilidades é, obviamente, um elemento importante.