E, naturalmente, José Sócrates não se limitou a dizer “não”. Aproveitou a ocasião para fazer um balanço público do que, na sua perspectiva, se passou no processo durante estes seis meses de prisão. E fê-lo de uma forma juridicamente discutível mas literariamente demolidora: “Seis meses sem acusação. Seis meses sem acesso aos autos. Seis meses de um furiosa campanha mediática (…) Seis meses de imputações falsas, absurdas e, pior – infundamentadas (…) Seis meses, enfim, de arbítrio e de abuso”. E caracteriza desta forma o “falhanço” da instância judicial: “depois de seis meses de prisão, nem factos, nem provas, nem acusação”.
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Nunca deixará de me surpreender o efeito do ressentimento no comportamento humano. Julgo não me enganar quando vejo o ressentimento como causa do acinte e do azedume tão evidentes nas recentes decisões do Senhor Procurador da República e do Senhor Juiz de Instrução. Mas o que considero extraordinário é que esse ressentimento resulte do facto de eu me ter limitado a exercer um direito que a lei me concede - dizer não a ser vigiado por meios eletrónicos. Como se, para estas autoridades judiciárias, o exercício legítimo de direitos constitua uma impertinência, um desaforo, um desrespeito para com a justiça.
Este momento diz-nos muito sobre uma certa cultura judiciária. A acção penal democrática funda-se - e legitima-se - na liberdade, nos direitos individuais e nos limites que o Estado se impõe a ele próprio. Este despacho do senhor Juiz de Instrução e a promoção do Ministério Público a que dá seguimento são estranhos a essa cultura, pertencem a outra família, à da ordem, da submissão, da obediência - para ela, sim, os direitos existem, mas para serem utilizados com parcimónia, quando nós quisermos, quando nós dissermos, como nós quisermos, para o que nós quisermos. Lamento dizê-lo, mas o poder que exerceram não foi o do direito, mas o da força.
Todavia, não raro o excesso, de força e de ressentimento, atraiçoa - há excessos de força que só expõem fraqueza. Tal é o caso e este é o ponto a que chegámos.
José Sócrates