ENTREVISTA A JOSÉ SÓCRATES (2.ª PARTE)
"As minhas relações com o líder do PSD são institucionais"
por João MarcelinoOntem
Teme uma moção de censura dos partidos da oposição, sobretudo à direita, num cenário pós-presidenciais?
Não, isso seria uma absoluta irresponsabilidade. O que eu vejo é que há uma grande tendência de alguns partidos para a politiquice e, em vez de perceberem que este é o momento para defender o País e não para atacar o Governo, o que fazem é aproveitar o momento de dificuldade para tentarem obter popularidades fáceis.
Num primeiro momento, a sua relação com o actual líder do Partido Social Democrata, Pedro Passos Coelho, pareceu boa. Depois deteriorou-se e ele chegou a dizer que não voltava a falar consigo sem ser com uma testemunha. Como estão neste momento as relações pessoais consigo?
Não quero referir-me mais a esse episódio, que foi lamentável, e que já disse o que tinha a dizer publicamente. Isso foi um agravo absolutamente injustificado e injusto, mas quero pôr uma pedra sobre esse assunto e procurar olhar para o futuro. As minhas relações com o líder do PSD são institucionais.
Pedro Passos Coelho já admitiu que, como eventual primeiro-ministro, estaria disponível para trabalhar com o FMI. Como lê essas declarações?
Essa declaração é muito infeliz, porque o principal dever do País é defender a sua capacidade para fazer aquilo que deve, para resolver os problemas e não admitir nenhum outro cenário. É uma declaração infeliz. Mas também noto que ele disse nessa entrevista que desejava que isso não acontecesse. Teria preferido que ele se ficasse por aí e que não dissesse a frase a seguir, que estava pronto para governar com o FMI. Eu, aliás, pensei que ele estava a pensar fazer uma coligação com o CDS e não com o FMI, desculpe--me a brincadeira.
Já lá vamos a essa parte, obrigado pela dica. Mas não acha normal, do ponto de vista político, que o chefe da oposição - também já foi chefe da oposição - combata quem está no Governo e que pretenda chegar ao Governo?
Nunca combati ninguém se isso tivesse por consequência prejudicar o meu país. Há momentos para tudo. Já estive na oposição e sei o que é o combate político, percebo muito bem que o combate político é o sal da democracia. Agora, há momentos em que nós não podemos apenas pensar em atacar o Governo prejudicando o País. Isso é muito negativo e tenho esperança de que todos se portem com responsabilidade. O momento do País exige isso.
Porque é que teve sempre más relações com o chefe da oposição desde que é primeiro-ministro?
Isso é uma pergunta que tem de fazer a todos.
Farei, mas agora fazia-lha a si.
Fiz todo o possível para ter sempre uma excelente relação com todos e empenhei-me pessoalmente para que isso fosse possível. Infelizmente, o que vejo é que houve da parte do PSD em determinado momento uma tendência para fazer do ataque pessoal e do ataque de carácter a sua única via política. Lamento que isso tivesse acontecido, porque não deu prestígio à nossa democracia, não deu prestígio às nossas instituições e não deu prestígio à política. Lamento que isso tivesse acontecido. Lamento profundamente.
Mota Amaral, um dos fundadores do PSD, disse recentemente que Pedro Passos Coelho vai ser o próximo primeiro-ministro, só não sabe é quando. Incomoda-o que se esteja sempre a especular à volta dos timings da sua saída do Executivo?
Não me incomoda nada, já disseram isso tantas vezes!... Há mais de três anos que isso é referido e por muita gente. Pelos vistos, enganaram-se. Lembra-se bem do período que passámos em 2009, lembra-se bem do que aconteceu a seguir às eleições europeias de Junho, quando havia tanta gente dizer que o PS estava condenado à oposição, que não iríamos ganhar as eleições. Ganhámo-las, e de que forma! Eu acho que isso é uma lição para muita gente.
Acha que ganhar as eleições, como diz, por si só, é um objectivo na política nacional?
Não, pelo contrário. Eu sempre recusei os projectos de poder. Os projectos vitoriosos são sempre os que se sustentam num projecto político e não apenas num projecto de poder. E se há uma observação que é importante neste momento é a seguinte: o que é que separa o PS do PSD e a esquerda da direita? É apenas isto: é que a agenda política da direita está apostada na privatização dos serviços públicos, é a única ideia política que informa o seu programa.
Tenho ouvido alguns dirigentes da direita defenderem o Estado social, por contraposição às reformas que o Governo tem estado a fazer...
Eu peço desculpa: acha que é defender o Estado social quando se propõe que o Estado desista de ter o Serviço Nacional de Saúde? Acha que é defender o Estado social quando se propõe que a obrigação do Estado seja ter uma rede pública de escolas para promover o direito à educação? Acha que é defender o Estado social quando se propõe que a justa causa no despedimento seja condição para que esse despedimento exista? Eu não acho! Isso é realmente uma visão ultraliberal que põe em causa os equilíbrios na nossa sociedade, que são importantes manter. É isso que diferencia neste momento o projecto do PS e do PSD. E acho uma ideia simples e enganadora, porque aqueles que acham que os problemas do País se resolvem com privatizações, privatizando, aqueles que acham que o sistema privado é mais eficiente que o público, enganam-se! To-memos o exemplo, vejamos um exemplo.
Não vai falar da escola pública...?
Não quer que fale da escola pública?
Quero, mas já teve oportunidade de falar ontem sobre isso.
Se me permite, falemos do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Qual é o país do mundo que mais gasta por pessoa e por ano em saúde? É o único país que não tem SNS, os Estados Unidos. E gasta muito mais! Os Estados Unidos, segundo o último relatório da OCDE publicado, gastam cerca de sete mil e tal dólares, estou a citar de memória, por pessoa e por ano, com despesas com saúde. Aqueles que acham que se nós privatizássemos a saúde gastaríamos menos estão enganados! A privatização só conduz ao aumento de custos e a custos que não vão para nenhuma função social, mas que vão principalmente para os lucros das companhias. Não sei se sabe que a esperança de vida nos Estados Unidos é inferior à nossa. Não sei se sabe que a mortalidade infantil nos Estados Unidos é muito superior à nossa! Saiu agora um relatório da OCDE em que se prova que o nosso SNS é dos melhores, internacionalmente, em questões de eficiência. Não percebo qual é a ideia simples de alguns políticos que acham que resolveriam os problemas do País privatizando a saúde! Isso é uma ideia errada, fortemente errada, porque não teríamos nenhuma vantagem na eficiência e teríamos pesados custos para a saúde em Portugal.
Vamos voltar a Portugal. O líder do PSD disse também que são necessárias pelo menos duas legislaturas para corrigir os últimos anos de inconsciência. Como é que comenta esta crítica à sua governação? Porque isto é dirigido a si, parece-me...
Quando cheguei ao Governo, tínhamos um défice de 6,83%. Em dois anos corrigimos esse défice. Em 2007, tivemos o défice mais baixo da democracia. Tínhamos a economia a crescer 2,5%, ou 2,4%, salvo erro, estávamos a criar postos de trabalho. E depois tivemos de enfrentar a maior crise dos últimos 80 anos.
Mas acha que são precisas duas legislaturas, oito a dez anos, para voltar a dar ao País saúde financeira?
Tem de lhe perguntar isso!
Quero saber a sua opinião.
O líder do PSD é que tem de se explicar! A ideia que tem sido difundida de uma década perdida é uma ideia errada, porque pretende confundir o primeiro com o segundo período da década. Primeira pergunta: qual foi o ano em que mais crescemos nesta última década? Foi justamente o ano de 2007, 2,4%. Qual foi o período em que fizemos uma concentração de reformas de consolidação das nossas contas públicas, como, por exemplo, na Segurança Social? Foi justamente o período entre 2005 e 2007. Não podemos tomar a nuvem por Juno. Estamos a fazer face a uma crise que é a crise das nossas vidas, nunca aconteceu nada igual. Mas isso não pode fazer-nos esquecer o trabalho feito nestes anos, um trabalho muito positivo, quer no desenvolvimento das condições estruturais de crescimento da nossa economia quer no desenvolvimento da modernização do País.
Segundo as últimas sondagens, o PSD e o CDS juntos poderiam chegar à maioria absoluta. Pelas declarações dos dirigentes desses partidos, parece a alguns analistas que está em formação uma nova AD. Também lhe parece isso a si?
Isso tem de perguntar aos próprios, não a mim. Quando um grande partido se coloca na dependência de um pequeno partido ou limita a sua autonomia estratégica, condicionando-se ao pequeno partido, isso não é um sinal de força, isso é um sinal de fraqueza. Nós já tivemos alguns governos de AD, com resultados muito negativos para o nosso país. Pelos vistos, esta é já a terceira AD que o dr. Paulo Portas tenta organizar. Já tentou organizar uma, que foi falhada, a última AD não foi propriamente um governo de que possamos recordar-nos com saudade, enfim, não sei se está a tentar organizar outra. Quanto às vantagens ou desvantagens, tem de perguntar aos próprios, não a mim. Pela minha parte, o que acho é o seguinte: quando dois partidos começam a falar em juntar-se, isso não é uma prova de força, é uma prova de fraqueza.
Defende que devia haver uma mudança da lei eleitoral no sentido de facilitar a obtenção de maiorias que permitissem ao País ter mais estabilidade, ou acha que a lei está bem assim?
Nunca atribuí nenhuma prioridade e importância a isso. As nossas leis eleitorais estão bem como estão. Em primeiro lugar, sempre fui defensor da pluralidade política e, por outro lado, nunca senti que Portugal tivesse um problema de estabilidade política. Quando os portugueses querem lutar pela estabilidade política, fazem-no e de forma determinante. Eu já tive uma maioria absoluta, lamento que os partidos não se tivessem disponibilizado para participar no Governo com o PS e para partilhar os custos da governação.
Isso teve um tempo, essa sua tentativa de trazer os partidos políticos para uma solução governativa com mais estabilidade. Mas não acha que, nos últimos tempos, não voltou a fazer nenhum esforço significativo nesse sentido?
Mas o que é que quer que eu faça? Não estou a perceber.
Disse-me ontem, por exemplo, que partilhava da visão que o seu ministro Luís Amado tinha da situação política.
Mas acha que eu agora vou passar o tempo a dizer aos partidos que gostaria que eles fizessem com o Governo um acordo que permitisse uma estabilidade política? Não vou estar sempre a repetir isso nem a propor isso. Os partidos deram a sua resposta, serão responsáveis pelas suas atitudes. Isso ficou claro aos olhos dos portugueses. O PS disponibilizou-se para um diálogo e para a coope-ração com vista a definir uma agenda política, um Governo e uma maioria na Assembleia. Infelizmente, não foi possível, lamento que isso não tivesse acontecido. Agora, o que se passa é que o PS não desiste de fazer aquilo que acha que tem de fazer: governar o País. Mesmo em circunstâncias difíceis, era o que faltava. Não somos dos que viram a cara. Tivemos um mandato claro, ganhámos as últimas eleições legislativas.
Deixe-me colocar-lhe esta questão: se por acaso, num cenário que ninguém deseja, se viesse a impor a necessidade de um governo de salvação nacional, estaria disponível para liderar esse projecto?
Não quero discutir esses cenários, qual salvação nacional! Salvação nacional encontra-se na boa governação, é nisso que estamos empenhados e é isso que estamos a fazer!
É capaz de dizer qual foi o seu melhor e o seu pior momento ao longo destes anos?
Há uma coisa que me orgulha muito ao longo destes seis anos. O ponto é este: toda a minha vida lutei para que nós pudéssemos vencer os défices estruturais que herdámos do passado. E se há motivo de grande satisfação para mim foi o momento em que pude ver, realmente, que as coisas tinham mudado na ciência, que tinham mudado na educação e que tinham mudado no ensino superior. Isso é talvez das coisas que mais me orgulham ter desenvolvido, uma acção política consequente para fazer do conhecimento a principal área de canalização dos esforços das políticas públicas para modernizar o País.
O momento mais difícil é aquele que está a viver neste momento?
O ano mais difícil é, sem dúvida, este ano. Repare no que se passou desde 2008, não sei se se lembra do mês de Junho de 2008, nessa altura estávamos a fazer face ao aumento dos preços do petróleo, estávamos com um choque petrolífero, estávamos com medo da inflação elevada, estávamos com as famílias a necessitar de apoio porque tinham não só os juros a subir na sua habitação como tinham o preço da gasolina a subir muito. Mas três meses depois as coisas mudaram inteiramente: faliu o Lehman Brothers, veio a maior crise financeira que o mundo atravessou e isso provocou uma recessão económica. E tivemos uma inflação não superior à que estávamos à espera, mas uma deflação em 2009. A verdade é que estes anos de 2008, 2009 e 2010 foram, porventura, dos anos mais instáveis e mais difíceis do ponto de vista da economia. Mas cá estamos, para lutar com ânimo e com coragem para proteger o nosso país da turbulência desta crise.