ENTREVISTA A JOSÉ SÓCRATES (2.ª PARTE)
"Tenho muita confiança em que o Manuel Alegre ganhará as eleições"
por JOÃO MARCELINOOntem
Na primeira parte da entrevista, publicada ontem, foram abordados os temas ligados à governação. Nesta segunda parte, José Sócrates aceitou pronunciar-se sobre temas da actualidade política, das eleições presidenciais - em que fica registado o seu apoio vigoroso à candidatura de Manuel Alegre - à actividade partidária - na qual fala para dentro do PS sempre com uma perspectiva de unir as hostes e desvalorizar as divergências.
As principais críticas, mesmo que sem sujeito expresso referido, ficam para Francisco Louçã e o Bloco de Esquerda, e para Paulo Portas. Com o PSD e Pedro Passos Coelho, José Sócrates utiliza quase os mesmos cuidados que com Cavaco Silva. Ou seja, o secretário-geral do PS nunca se esquece da sua condição de primeiro-ministro e da necessidade de ter condições para governar.
Enquanto primeiro-ministro, defende a flexibilização das leis do trabalho, o combate ao desperdício no Serviço Nacional de Saúde (SNS), a reestruturação, porventura, de alguns apoios sociais. Como é que isso é compatível com o apoio a um candidato, Manuel Alegre, que nalguns destes temas defende precisamente o contrário?
Não acho que defendamos o contrário!
Não quer que lhe dê a posição dele na aprovação do Código do Trabalho em vigor...?
Sim, mas o que me une ao Manuel Alegre nesse ponto de vista é a defesa do Estado social.
Mas um Estado social um pouco diferente daquilo que ele pretende. Manuel Alegre já disse que se for eleito presidente da República podem contar com ele para que não haja mexidas no Código do Trabalho...
No meu ponto de vista, defende-se o Estado social fazendo reformas. Defende-se o Estado social com mais eficiência, e nós temos hoje sistemas públicos de saúde e educação dos mais eficientes.
E acha que ele tem uma visão compatível com a sua?
No essencial. Na defesa do Estado social e na procura de que esse Estado corresponda àquilo que se espera dele, isto é, que apoie quem precisa e que promova a igualdade. Nesse aspecto há uma total sintonia de pontos de vista. Nem sempre estaremos de acordo quanto a medidas da governação, é certo, como não estivemos no passado. Eu sou um reformista. Acho que o Estado social se defende reformando. Mas o que me liga ao Manuel Alegre é a comunhão de pontos de vista relativamente ao papel que o Estado social e os sistemas públicos que o garantem têm na nossa sociedade como um instrumento de combate às desigualdades. Apoio Manuel Alegre porque ele tem uma visão progressista para o nosso país. E apoio com convicção! Não me esconderei. Muito em breve irei à sua sede de candidatura assinar a declaração de apoio para que isso seja absolutamente claro. E participarei nessa campanha com agrado.
E acha que essa sua posição pessoal é acompanhada pelo partido? O que se tem visto é que o PS não está ao lado de Manuel Alegre no terreno.
Não. Ao contrário, tenho visto o PS muito mobilizado na defesa da candidatura do Manuel Alegre. E será cada vez mais, porque essa ideia de que as contas estão feitas e de que as candidaturas estão decididas é um erro em democracia. Estarão quando os votos forem contados. Tenho muita confiança que o Manuel Alegre disputará uma segunda volta e que ganhará as eleições presidenciais. E espero, naturalmente, contribuir para a mobilização do eleitorado à volta das qualidades políticas e pessoais que o Manuel Alegre tem para desempenhar o cargo de presidente da República.
Onde vê essa convicção do PS que ninguém mais vê exteriormente?
Porventura, conheço o PS um pouco melhor que os senhores jornalistas... Mas veja que todos os principais responsáveis do PS apoiam o Manuel Alegre. Os principais dirigentes, quer ao nível federativo quer ao nível das secções, apoiam-no convictamente, e essa é a decisão tomada por larga maioria da Comissão Nacional do PS. Haverá sempre, como há em todos os partidos, quem não concorde, mas isso são expressões de vontade muito minoritárias. O PS estará ao lado de Manuel Alegre nesta campanha.
Mas há vozes importantes do passado do partido, como Mário Soares, que não estão ao seu lado e que criticaram essa escolha. Que relevância é que têm essas posições individuais?
Em primeiro lugar, eu não vejo que o dr. Mário Soares tenha apoiado outro candidato.
Mas não apoia este...
Sim, também não vi que ele expressasse essa vontade de apoiar o Manuel Alegre. Mas eu não atribuo importância a isso. Naturalmente, gostaria que o dr. Mário Soares estivesse mais envolvido nesta candidatura, mas nunca deixei de tomar partido e de fazer escolhas. Não me escondo atrás de nada só porque as escolhas são complexas ou porque são difíceis.
Vai envolver-se nesse combate político para ajudar Manuel Alegre a ganhar, não vai esconder-se. Isso significa, por exemplo, que pode estar no mesmo palco com Francisco Louçã?
Isso tem mais um interesse jornalístico do que propriamente um interesse político.
Admito que sim. Mas pode chegar aí a sua vontade em ganhar?
O PS não pretende instrumentalizar a campanha do Manuel Alegre a favor nem do PS nem do Governo. E espero que nenhum partido que apoie o Manuel Alegre tenha essa pretensão, de instrumentalizar a candidatura, que é uma candidatura acima dos partidos, para servir o interesse partidário, ou uma linha política que essas lideranças sirvam. O Manuel Alegre merece o apoio enquanto candidato presidencial, acima dos partidos.
Incomoda-o que o seu candidato também tenha o apoio explícito do Bloco de Esquerda (BE)?
Não, não me incomoda nada. Não tenho a certeza é se a mesma coisa será respondida pelo BE... Tomara eu que mais pessoas, de diferentes sensibilidades políticas, apoiassem o Manuel Alegre! Fico sempre satisfeito quando alguém partilha dos meus pontos de vista, e não o contrário. Não tenho uma visão sectária da política e lamento muito que o BE tenha desenvolvido uma linha política muito sectária relativamente ao Governo e ao PS e a incapacidade de falar com o PS e com o Governo. Há momentos na vida dos partidos também para assumirem as suas responsabilidades, para aceitarem o diálogo e o compromisso, porque é isso que faz parte do património de um partido que está integrado numa democracia. Lamento muito que o Bloco de Esquerda tenha sempre enveredado em todo o seu comportamento por uma disputa política contra o Governo e contra o PS que faz parte daquilo que considera ser o seu interesse eleitoral. Isso não acrescenta nada, nem à esquerda nem à democracia nem ao País.
Manuel Alegre tem acusado o actual Presidente da República de ser co-responsável da situação que o País atravessa e acha que ele não usou, quando devia, na altura certa, os poderes presidenciais. Concorda com esta visão?
Manuel Alegre tem qualidades pessoais e políticas para ser um excelente presidente da República e é nesse patamar que coloco o meu apoio. Bater-me-ei pela sua eleição porque acho que ele tem essa visão progressista que muita falta faz ao País. Não quero entrar nessas disputas porque não preciso de apoiar o Manuel Alegre apenas porque ele é contra outro presidente. Apoio o Manuel Alegre porque acho que ele tem as qualidades certas para servir bem o seu país.
Diz que não vai esconder-se. Vai estar no terreno, vai a comícios, vai estar por todo o País?
Com certeza, participarei na campanha assim que ela começar e, de acordo com aquilo que forem as necessidades da campanha e as solicitações que me fizerem, estarei disponível para isso.
E, com um envolvimento tão próximo, não teme que uma eventual derrota de Manuel Alegre seja também vista como uma derrota pessoal sua?
Pobres dos políticos que determinam as suas actuações com base no cálculo po- lítico. Esses são os mais ingénuos. Há duas classes de políticos: aqueles que agem com base no cálculo e aqueles que agem com base na sua convicção. Ambos se enganam e ambos têm derrotas, mas há uma vantagem para os segundos: é que esses estarão sempre de acordo com a sua consciência. Eu não me movo com base em cálculos. Já perdi muitas vezes, já ganhei outras vezes, mas nunca me motivou o cálculo político, e saber se essa acção é mais vantajosa ou menos vantajosa para a minha carreira política ou para o partido que lidero. O que me motiva é servir bem o meu país e defender os meus pontos de vista. É isso que a democracia exige de mim.
Há dois anos, dizia em entrevista ao Diário de Notícias que a sua relação com Cavaco Silva estava excelente, apesar dos naturais desencontros em relação ao Estatuto dos Açores, à Lei do Divórcio. Isso tudo tinha que ver com o facto de serem pessoas que defendiam duas concepções de sociedade diferentes. Hoje, após o chamado "caso das escutas", é capaz de manter o que então dizia?
Tinha prometido, a propósito desse caso, não falar mais no assunto. E vou manter-me fiel a essa decisão. Não quero falar nisso. Foi um episódio lamentável que aconteceu na democracia portuguesa e não quero pronunciar-me mais sobre isso. O que foi dito está dito pela voz do ministro Pedro Silva Pereira, ou melhor, pelo dirigente Pedro Silva Pereira em nome do PS. Agora, se me permite, eu apoio o Manuel Alegre e bater-me-ei pelo Manuel Alegre, não preciso que esse apoio seja transformado numa campanha contra ninguém. É uma campanha a favor do Manuel Alegre, tenho a certeza de que ele será o melhor presidente da República para o País.
Que balanço faz do mandato do actual Presidente da República e, muito especificamente, sentiu-o alguma vez como força de bloqueio à governação?
Percebo para o que me quer arrastar, mas, perdoe-me, eu tenho responsabilidades institucionais e sei muito bem o que devo e o que não devo dizer. E, neste momento em que vai iniciar-se uma campanha eleitoral, o que tenho para dizer é o seguinte: apoio o Manuel Alegre, estarei ao lado dele, porque estou convencido de que as suas qualidades políticas e pessoais o transformam no candidato que deve ser eleito para servir o seu país.